18/09/2015

Artigo: “O futuro de São Paulo é instigante”

O urbanista Candido Malta Campos Filho publicou no jornal o Estado de São Paulo, no dia 2 de setembro de 2015, um artigo crítico à política urbana municipal intitulado: “São Paulo à beira do colapso”. É necessário contrapor-se às suas colocações para poder esclarecer os leitores do debate.



Fernando de Mello Franco

O urbanista Candido Malta Campos Filho publicou no jornal o Estado de São Paulo, no dia 2 de setembro de 2015, um artigo crítico à política urbana municipal intitulado: “São Paulo à beira do colapso”. É necessário contrapor-se às suas colocações para poder esclarecer os leitores do debate.
Difícil crer que São Paulo está à beira do colapso. O município está no epicentro de uma metrópole que, na ínfima parcela de 0,001% do território nacional, abriga 10% da população, oferece 16% dos empregos formais e gera 19% do produto interno bruto. É um equívoco analítico entender São Paulo como uma cidade próxima à catástrofe.

A literatura recente aponta para a direção oposta. Mais do que fonte dos problemas, as cidades oferecem as soluções para se enfrentar os dilemas do habitar em um planeta com recursos cada vez mais exíguos face às demandas do “desenvolvimento” global. O modelo urbano compacto é o mais indicado para se encarar os graves desafios ambientais. Assim como os ganhos dos fatores de aglomeração são os motores da inovação contemporânea. E São Paulo, pesem todas as suas dificuldades, também é um campo fértil de oportunidades.

É evidente que a crise hídrica é real. É evidente que a qualidade de vida em São Paulo está muito aquém do que todos os seus cidadãos desejam. Ora, mais de um terço vive em condições precárias. Os desequilíbrios sociais, econômicos, territoriais e ambientais são perversos e afetam o cotidiano da totalidade da população, pois vivemos dentro do mesmo e complexo ecossistema urbano. Mas são os equívocos do passado os reais responsáveis pelas insatisfações presentes.
Se refutarmos a ideia de que o fim está próximo, reconheceremos que o que se passa na cidade é um processo de transição. A condição de São Paulo como grande metrópole industrial já não mais a caracteriza. E sua população, sobretudo os jovens, torna cada vez mais audível o desejo pela construção de outras formas de vida urbana. Uma nova ordem econômica e social gerará uma nova ordem espacial. O futuro é instigante.

Os dados do IBGE apontam que a taxa de crescimento populacional decresce. O saldo migratório já é negativo e a taxa de fecundidade já está abaixo do índice de reposição. A cidade ainda assim ganhará cerca de um milhão de novos habitantes. Contudo, a partir de 2045 sua população deverá retroceder. Ciente desse fato, o planejamento urbano em curso não se volta à promoção ilimitada do adensamento urbano. Essa ação não teria nem espaço, nem sentido.

O que se pretende é o equilíbrio das graves disfunções que moldam a existência urbana em São Paulo. Produzir o que é necessário para (i) oferecer moradia digna a todos os que estão mal abrigados, (ii) acolher as mudanças na estrutura familiar, (iii) enfrentar o acréscimo da longevidade da população. Reverter o paradigma insustentável do modelo urbano rodoviarista. Reestabelecer o modelo de cidade compacta e mista preexistente no passado. Reconquistar o domínio público sobre o espaço livre da cidade.

Resguardar nosso fragilizado meio ambiente. Preparar o terreno para que uma outra ordem econômica, mais solidária, assuma o protagonismo no processo de reestruturação produtiva em curso.

Estamos cientes de que este é um desafio hercúleo que não se concretizará no curto prazo. Mas a iniciativa foi tomada quando a gestão Haddad assumiu o sólido compromisso com a revisão do marco regulatório da política urbana municipal. O Plano Diretor Estratégico (Lei 16.050/14), o Projeto de Lei de Parcelamento, Uso e

Ocupação do Solo (PL 272/15) e o Projeto de Lei do Código de Obras e Edificações (PL 466/15), de forma articulada, oferecem as diretrizes e os instrumentos para se encarar esse desafio de forma pactuada com a sociedade.

Destacamos a seguir alguns dos verdadeiros fundamentos dessa política urbana, seguindo a mesma ordem da crítica formulada pelo urbanista Malta Campos.

1) Verdadeiro dizer que o conceito da cidade mista é a convivência da moradia com o trabalho, o comércio e serviços, condição básica para um melhor equilíbrio urbano. E que apenas com um bom sistema de transportes é que se garantirá a mobilidade e o poder de escolha entre todas as ofertas urbanas. Mobilidade se resolve com transporte coletivo de qualidade, planejado em conjunto com o uso do solo. É exatamente isso que estabelece o PDE recém aprovado e a LPUOS em discussão na Câmara. De maneira coesa, estabelecem que o adensamento com usos mistos incentivados se dará prioritariamente em sinergia com a expansão da rede de transportes públicos.

2) Verdadeiro dizer que todos desejam morar o melhor possível, e que as formas do morar bem são múltiplas em um cidade tão diversa como São Paulo. Contudo, o modelo de bairro-jardim, inicialmente formulado na Inglaterra no século XIX, é hoje anacrônico e insustentável para grandes aglomerações como São Paulo, tanto pelo alto consumo de terra, quanto pelo alto custo da infraestrutura instalada em relação à sua baixa densidade. Por depender do sistema de transporte individual, nivela a qualidade ambiental por baixo.

3) Verdadeiro dizer que o PDE propicia a desconcentração das ofertas de empregos, bens e serviços urbanos, ao propor o adensamento ao longo de eixos de estruturação urbana. Articulados em rede, rompem os limites do centro expandido em direção às áreas menos favorecidas ao norte, ao sul e ao leste.
Na Macroárea de Estruturação Metropolitana, tronco dessa rede, se assentam 100% dos trilhos urbanos, território estratégico para a transformação e o adensamento de forma articulada à oferta de infraestrutura.

4) Verdadeiro dizer que a cidade compacta é mais eficiente que a cidade espraiada. O último inventário de emissões de gases de efeito estufa apontou que o setor de transporte é responsável por 80% das emissões na cidade. É necessário superar o modelo rodoviarista por um modelo calcado no transporte público. Essa compreensão é uma das resoluções que serão defendidas com determinação no Habitat III, a ocorrer em 2016 em Quito, por todas as instituições internacionais e nacionais que nele participarão à convite da UN Habitat.

5) Verdadeiro dizer que o PDE adota integralmente as disposições da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/12), em especial a prevalência do transporte coletivo sobre o individual e dos modos não motorizados sobre os motorizados.
O PDE, no capítulo V, define o sistema de mobilidade a partir da necessária articulação entre todos os modais de transporte, cada qual com a sua atribuição. Compete ao transporte público de alta e média capacidade, trilhos e corredores de ônibus, o papel estrutural do sistema mobilidade. Compete ao modal cicloviário o transporte local e não estrutural.

6) Verdadeiro dizer que em 2013 foi criado o Departamento do Controle da Função Social da Propriedade (DCF/SMDU). E que em 2014 foi efetivamente regulamentado o instrumento do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC), já previsto no PDE de 2002. Desde então a prefeitura vem aplicando esse valioso instrumento da reforma urbana que visa conter a especulação imobiliária e retornar ao mercado um estoque de terra urbana necessário à produção de moradia popular. Diante à escala de São Paulo e às dificuldades administrativas de aplicá-lo, o foco estratégico são as áreas estratégicas de ZEIS, Operações Urbanas e Eixos de Estruturação Urbana, locais prioritários para a produção de moradia popular.

7) Verdadeiro dizer que o PDE aumentou em 107% as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) destinadas à produção de novas moradias populares na cidade, garantindo assim terra para se combater o déficit habitacional. As novas ZEIS focam, sobretudo, a reserva de terra próxima ao sistema de transporte público, assim reduzindo a pressão pela ocupação de áreas ambientalmente frágeis. Já a o PL 272/15 propõe o aumento de 56 km2 das zonas ambientais de ZEPAM, ZPDS e ZEP hoje existentes. Combinadas essas ações, pretende-se proporcionar o equilíbrio necessário entre o direito à moradia e a preservação do meio ambiente.

8) Verdadeiro dizer que o PL 272/15 apenas aprimora a regulamentação sobre a permissão da instalação de equipamentos sociais em áreas verdes, permissão esta que existe há décadas. Será permitida a construção de novos equipamentos sociais apenas em áreas carentes de serviços públicos de saúde e educação, estimadas em 1% da demanda prevista no Programa de Metas 2013-2016.

Verdadeiro dizer que o PL 272/15 introduz o novo conceito de quota ambiental para todos os novos empreendimentos em lotes com área maior a 500 m2. Visa proporcionar a qualificação ambiental (arborização, vegetação, permeabilidade, reservatórios pluviais) onde haverá adensamento e instalação de novas atividades.

Verdadeiro, igualmente, que a gestão Haddad criou a Controladoria Municipal e institui a carreira de controlador público. A primeira ação foi o desmantelamento da chamada máfia do ISS, revertendo milhões aos cofres públicos, pondo em ação o fechamento das portas da corrupção no poder público municipal.

 

 “São Paulo à beira do colapso” – Candido Malta Campos Filho 




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